A imprevisibilidade é o novo normal no mercado externo
Os ventos do segundo semestre estão carregados de inquietação para quem opera no mercado externo. Entre julho e outubro, o Brasil deixou de exportar US$ 40 milhões em relação ao mesmo período de 2021, dano que só não foi maior porque nos seis primeiros meses do ano houve um ganho de US$ 12,2 milhões. O resultado é que em dez meses desse ano o volume de negócios encolheu US$ 29,1 milhões sobre o mesmo intervalo do ano passado.
Para efeito de comparação, essa quantia equivale a cerca de um décimo do montante gerado entre janeiro-outubro de 2021, de US$ 300 milhões, mas aqui é preciso levar em conta a atipicidade do ano anterior por conta da elevada demanda por móveis, devido à pandemia iniciada um ano antes, afetando as exportações no cotejo com 2019. A receita total brasileira com exportações nesse ano foi de US$ 812 milhões, contenção de 3,4% sobre janeiro-outubro de 2021.
Dentro desse cenário, o câmbio tem proporcionado números significativos. A diferença entre exportações e importações fechou com saldo positivo, de US$ 228,3 milhões. É o terceiro superávit consecutivo (e o maior) em uma década. A curiosidade é que esses superávits ocorreram com a chegada do Covid. Nas outras sete vezes para o período encerrado em outubro houve déficit. A imprevisibilidade tornou-se o novo normal, e não há como fugir dela.
Blocos econômicos
Os quatro principais blocos econômicos com os quais o Brasil tem relação de negócios reagiram de forma distinta ao longo do ano encerrado em outubro, tendo em comum a alta das taxas de juros e de inflação. As vendas para a América do Norte apresentaram crescimento de 6,9% sobre igual período do ano passado, mas ainda não está claro se Estados Unidos e companhia terão gás para manter o ritmo nos próximos meses. O Canadá aumentou em 83% as compras, mas é preciso ficar de olho nos ciclos de altos e baixos: o comportamento mais parece um eletrocardiograma. Os EUA cresceram 4,7% e México 16,9%.
Uma década atrás, a América do Sul ocupava uma posição admirável nas exportações, absorvendo quase metade de todo comércio internacional. O protagonismo continua, mas o brilho não é o mesmo. O peso de 48,1% em 2013 está hoje em 34%. Em dez meses de 2022, o bloco comprou 11,4% abaixo de 2021, e o tombo poderia ser maior não fosse, acreditem, a Argentina, que cresceu 60% de um ano para outro com todos os problemas internos. Parceiro tradicional, o Chile decresceu 45,8%.
A rigor, todos os blocos econômicos diminuíram suas compras, exceção da Oceania, cuja representatividade é diminuta. O Oriente Médio tem recebido pouca atenção do Brasil, mesmo em um evento como a Copa da Fifa no Catar e a necessidade de atender mais de 1,5 milhão de turistas. Nos últimos quatro anos, a média de embarques para o Catar entre janeiro-outubro ficou em US$ 941 mil ao ano. Cruzou a barreira de US$ 1 milhão nesse ano, 19% acima de 2021.
Em dez meses, os embarques para o Catar somaram US$ 6 milhões. No mesmo período, a Turquia exportou US$ 153 milhões, diz o presidente da Federação das Associações de Móveis, Ahmed Golic, acrescentando que o movimento para o Catar começou no ano passado e o ímpeto continuou este ano. Dados do governo turco apontam alta de 53% nas exportações para o Catar sobre 2021. O Egito pegou carona e vendeu US$ 14 milhões de móveis para os Emirados Árabes Unidos.
O perigo vem do Sul
O desempenho lá fora se faz refletir aqui dentro, notadamente o Sul, a principal região exportadora de móveis do Brasil. Entre janeiro-outubro os negócios encolheram US$ 50,3 milhões, puxado pelos desempenhos gaúcho e paranaense, que exportaram -11,8% e -16%, respectivamente, sobre igual intervalo de 2021. O peso maior ficou com o Rio Grande do Sul, que gerou US$ 28,3 milhões a menos, seguido do Paraná, com retração de US$ 24,4 milhões. Já o polo catarinense fez seu papel, gerou US$ 2,4 milhões mais sobre 2021.
Devido a esse desempenho, a participação relativa do Sul entre todas as regiões caiu de 82,2% em 2021 para 79% esse ano, diferença de 3.25 pontos percentuais ao que tinha o ano passado. Quem avançou foi o Sudeste, que herdou os pontos do Sul: saiu de uma participação de 16% em 2021 para 19,2% nesse ano, graças ao polo de São Paulo, que registrou alta vigorosa de 18,2% em dez meses.
Nordeste, Norte e Centro-Oeste mantiveram as suas posições relativas, com pequenas oscilações, quando cotejadas com o ano anterior. Com relação às vendas para o exterior, a região Norte cresceu 16,2% sobre 2021 e mais do que dobrou o volume exportado em relação a cinco anos atrás, somando US$ 5,0 milhões. Já as posições do Centro-Oeste e Nordeste desandaram 15,9% e 1,8%, nessa ordem.
Importações
Apenas 795 municípios brasileiros costumam realizar importações de móveis com certa regularidade ao longo do ano, o que representa 14,2% do total das cidades. Desse total apenas 436 fecharam negócios com o Brasil entre janeiro e outubro desse ano, dez a mais em relação ao ano anterior.
O volume importado somou US$ 583,6 milhões, queda de 9,4% sobre 2021, e longe de 2013 e 2014, quando as compras ficaram acima de US$ 700 milhões para o mesmo período. A média anual na década ficou em US$ 616 milhões.
Em 2022 o Brasil trouxe da China US$ 224,4 milhões, o que significa recuo de quase 26% em relação a igual período do ano passado, ou US$ 78 milhões menor. Foi o segundo maior tombo em uma década, superado por 2016 (-39,6%), auge da recessão econômica interna. Entre ganhos a perdas, 2022 ficou dentro da média anual da China da década, de US$ 224,4 milhões.
Embora as compras da China tenham reduzido nesse ano e sua participação relativa no conjunto das importações tenha caído de 47% para 38,5%, ainda assim a importância dela continua próxima da média anual dos últimos dez anos, de 36,4%. Os EUA ficaram levemente abaixo da sua presença normal, de 12,8 e fechou os dez meses com 10,5%. A Itália foi um dos países mais beneficiados pelas mudanças e aproveitou para elevar sua presença no Brasil para 6,8%, ou dois pontos percentuais acima da média na década.
No grupo dos dez países que aparecem com frequência com maior volume de negócios, sete diminuíram as vendas para o Brasil nos dez primeiros meses desse ano em relação ao ano passado. As exceções foram Estados Unidos, campeão permanente da segunda posição, com aumento de 41,8%, seguido por Alemanha, com 16,9% e Japão, 30%.
*Por Guilherme Arruda, jornalista convidado
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