A influenciadora de Nazaré
No intervalo de 25 meses, entre o final de 2014 e o início de 2017, a vida de Marcelle Scaldaferri Silva de Brito tomou a forma de uma montanha-russa. Para começar, ela se afastou da loja de móveis fundada em meados dos anos 1970 por seu pai, Antonio José de Brito Filho, na bucólica Nazaré, distante pouco mais de 50 quilômetros ao sul de Salvador (BA) e com uma população atual próxima de 30 mil habitantes.
Para tristeza dele, ela decidiu abrir uma farmácia em companhia do então namorado e futuro marido. O casamento foi em 2015 e um ano depois veio a gravidez. O nascimento da filha Lara estava programado para as 9h30m do dia 10 de janeiro de 2017, uma terça-feira, mas 90 minutos antes, o inesperado aconteceu: um enfarto fulminante vitimou seu Antonio aos 65 anos de idade.
Marcelle remarcou a cesariana para o dia 16 e nos dois meses seguintes ficou em casa enfrentando a dor do luto e a dádiva de ser mãe. Pensou muito nos 20 empregados que dependiam da loja para viver e achava que tinha uma missão. Recusou propostas para arrendamento da loja, desligou-se da farmácia e decidiu dar continuidade ao legado do pai, a Eletrodomésticos Nazaré, focada em móveis populares e eletros – que desde 2007 faz parte da Rede Quero Bahia.
Formada em administração de empresas, comportamento introvertido, tímida e ainda por cima um tanto insegura, Marcelle se viu forçada a atribuir novos significados as suas experiências de vida para enfrentar os desafios que viriam, como administrar duas lojas (a segunda de móveis infantis, também em Nazaré), conviver com o preconceito de ser uma mulher separada e o maior embate pessoal até então: se expor nas redes sociais para alavancar as vendas das lojas.
“Com o fechamento do comércio na pandemia, bateu o desespero. Foi aí que mergulhei no marketing digital. Conheci uma pessoa de Pernambuco, que tinha loja com padrão parecido ao nosso, que estava vencendo com Instagram, WhatsApp, Facebook. Pensei: é por aí. Ninguém na equipe sabia como lidar com estas ferramentas. Um a um expliquei como funcionava e a importância. Era fazer isso ou fechar as portas. Felizmente, deu certo”, conta.
Imprimiu um toque humano nos vídeos postados nas redes, com muita leveza, incluindo brincadeiras, danças e bom-humor. “Comecei a receber mensagens elogiosas, gente adorando a estratégia de levar alegria para as pessoas em plena pandemia. E aquilo deu um gás para continuar e motivar as meninas (funcionárias)”, evidencia Marcelle. “Eu mudei e as pessoas notaram isso em mim”, comemora.
Superando obstáculos
A percepção que se tem é que em todas as casas de Nazaré há um móvel comprado na loja criada por Antonio Brito Filho. Foi a primeira na cidade a vender eletrodomésticos, seja a vista ou por meio de notas promissórias, esta, ainda hoje usada e restrita a uma parcela diminuta de clientes. Nazaré é cortada pelo rio Jaguaripe e tem um PIB ao redor de R$ 274 milhões, sendo a metade gerada pelo comércio e serviços. A popularidade de seu Antonio rendeu convite para ser secretário de Planejamento do município. Nunca escondeu o sonho de ser prefeito, desejo que não aconteceu.
Como o julgamento das pessoas se torna involuntariamente mais acentuado em cidades pequenas, Marcelle não teve como conter o juízo dos outros. O casamento desfeito, por exemplo, foi um deles. “Mulher separada e dona de uma loja de varejo é raro aqui”, diz, tocando em outro ponto sensível: enfrentar o assédio. “Passei por isso”, lamenta, mas não desanimou. “Dei minha cara a tapa nas redes sociais. Era vista como desacreditada e de repente estava lá, no comando de uma loja e nas redes sociais”, festeja. “A dor veio para ensinar e fortalecer”, compartilha a empresária.
*Por Guilherme Arruda, jornalista convidado, para a revista Móveis de Valor Norte & Nordeste
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