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Ajuste fiscal, tributação e o universo paralelo

Revisado Natalia Concentino - 12 de Setembro 2023

Atribui-se a Otto von Bismarck a célebre afirmação “É melhor que o povo não saiba como são feitas as leis e as salsichas”. No Brasil, valeria o complemento: leis, salsichas e contas públicas. 

 

Tendo interditado a discussão sobre a redução do tamanho do Estado e das despesas públicas, o Governo Lula revela uma obsessão com o aumento de tributos, visando, claro, fazer o ajuste fiscal somente pelo lado da receita. O problema é que existe um erro gritante nas contas apresentadas. 

 

No orçamento da União para 2024 entregue ao Congresso, o Governo estima zerar o déficit fiscal com uma arrecadação adicional de R$ 168 bilhões oriunda de propostas legislativas sempre visando o aumento da carga tributária. Boa parte disso – R$ 98 bilhões – decorreria da modificação do voto de qualidade no CARF, a última instância de julgamentos administrativos de natureza tributária federal (em janeiro, o número dado pelo Governo era R$ 50 bilhões. Como foi possível dobrá-lo é uma incógnita). 

 

A proposta acaba com a sistemática atual, vigente desde meados de 2020, pela qual o empate na votação do julgamento administrativo cancela a cobrança em favor do contribuinte. Com a recriação do voto de qualidade, será retomado o modelo vigente até 2020, segundo o qual, havendo empate, um representante da Receita Federal tem, na prática, o voto contabilizado duas vezes. 

 

Entretanto, crer que a mera recriação do voto de qualidade entregará a arrecadação pretendida é de uma ingenuidade comovente. Ora, o término da discussão administrativa não implica pagamento do tributo, porque o contribuinte poderá impugnar judicialmente a cobrança. 

 

Foi exatamente o que sempre aconteceu no passado. A natureza duvidosa da cobrança em discussão, materializada pelo próprio empate na votação, apenas reforçava a intenção de se buscar o cancelamento da cobrança no Judiciário, o qual, não raras vezes, faz valer as chamadas limitações constitucionais ao poder de tributar. 

 

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Os contribuintes estão acostumados a demandar judicialmente para afastar cobranças indevidas validadas pelo CARF. Muitos são os exemplos onde isso foi feito com sucesso, como na discussão envolvendo a amortização do ágio, a dedutibilidade dos JCP referentes a períodos pretéritos, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS, a tributação das parcelas pagas a título de PLR, o conceito de insumo para PIS e COFINS, a prevalência dos tratados na tributação de lucros auferidos no exterior etc. 

 

Portanto, não há razões para crer que, vencidos em razão da nova sistemática de desempate, os contribuintes deverão baixar a cabeça. É bem verdade que haveria um incentivo para o pagamento, consubstanciado na possibilidade de fazê-lo em 12 meses, sem multa e juros.  Conquanto seja razoável esperar que a medida contribua de algum modo para a arrecadação, é altamente improvável que atraia tantos recursos aos cofres públicos. 

 

Para que se tenha ideia da fragilidade das contas apresentadas pelo Governo, o Programa Litígio Zero, que também afastava multa e juros para casos em trâmite no CARF, gerou, de fevereiro a julho deste ano, uma arrecadação de R$ 3,6 bilhões. Como imaginar que isso subirá para quase R$ 100 bilhões? 

 

Ainda que o CARF abandone sua missão de assegurar a imparcialidade na solução dos litígios tributários para se tornar uma máquina de moer contribuintes, é claro que os moídos vão se socorrer do Poder Judiciário – como sempre fizeram. 

 

Recentemente o secretário-executivo do Ministério da Fazenda afirmou que o “ceticismo mais uma vez vai ser superado”, porque “a convicção da equipe técnica é sólida”. Mas o déficit zero não será assegurado a golpe de frase feita. 

 

Em Dom Casmurro, Bentinho, que não era bom de conta, desabafa sobre Escobar, seu amigo muito versado na matemática: “Criado na ortografia de meus pais, custava-me ouvir tais blasfêmias, mas não ousava refutá-lo. Contudo proferi algumas palavras de defesa, ao que ele respondeu que ideias aritméticas podiam ir ao infinito, com a vantagem que eram mais fáceis de menear.” 

 

 

*Por Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados

 

(Publicado originalmente em Brazil Journal)

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