Aperto no crédito abre espaço de empréstimos com fornecedores
O aperto no mercado de crédito bancário nos últimos anos levou as empresas brasileiras a recorrer com ainda mais intensidade ao chamado empréstimo mercantil – uma modalidade de financiamento não bancário contraído junto a fornecedores e outros negócios, usado principalmente para ganhar mais prazo para o pagamento de serviços e produtos contratados.
De todo o crédito tomado pelas empresas, 39,2% eram da modalidade mercantil até o final de 2022, de acordo com um estudo da Serasa Experian, divulgado com exclusividade à Bloomberg Línea.
A proporção é a maior registrada desde o pico histórico de 41% em 2018, quando a atividade econômica ainda se recuperava lentamente da recessão de 2015 e 2016.
O resultado mostra que o Brasil teve dois anos seguidos de expansão do crédito mercantil depois de uma fase de retração. É o primeiro ciclo de aumento desde o intervalo entre 2013 e 2018, de acordo com o estudo.
O crescimento do crédito mercantil coincide com um período de inflação elevada, juros em alta e inadimplência de famílias e empresas em ascensão, o que levou as instituições financeiras a ficarem mais seletivas e criteriosas na concessão de crédito.
“As empresas que necessitam manter um certo nível de endividamento para tocar suas atividades acabam recorrendo ao chamado crédito mercantil”, disse Luiz Rabi, economista da Serasa Experian e responsável pelo estudo, em entrevista.
“É o atacado financiando o varejo, e é a indústria financiando tanto o atacado quanto o varejo. Essas empresas fornecedoras desempenham de certa forma o papel de instituições financeiras dos seus clientes, para eles continuarem operando.”
O estudo tem como base os balanços de cerca de 80.000 empresas no Brasil que publicam demonstrações financeiras em jornais no país. Os dados de 2023 não estão disponíveis porque a análise ainda depende da divulgação dos números fechados no ano, o que deve ocorrer ao longo dos próximos meses.
Para Rabi, da Serasa, a tendência é a de que a expansão do crédito mercantil tenha continuado em 2023, diante da desaceleração da concessão de crédito no país no ano passado e das condições financeiras mais apertadas.
O Banco Central começou a fazer cortes na Selic apenas em agosto, depois de mantê-la no patamar de 13,75% ao ano por cerca de 12 meses. Atualmente, a taxa básica de juros está em 11,25% ao ano e a expectativa de economistas do mercado financeiro é de que encerre 2024 em 9%, de acordo com o Boletim Focus divulgado em 27 de fevereiro.
Para 2024, as perspectivas são mais amenas, com a redução das taxas de juros e a indicação dos bancos de que podem voltar a expandir a concessão de crédito.
“Há todo um horizonte de que os bancos vão aumentar o crédito neste ano, porque os juros estão caindo, a inadimplência está dando os seus primeiros sinais de queda, a economia não está em recessão, a inflação está sob controle. Não vemos muitos obstáculos para que o crédito bancário possa voltar a ter um crescimento mais próximo de dois dígitos”, disse Rabi.
Comércio é setor mais ativo
Dos setores analisados, o comércio é o que tem a maior proporção de crédito mercantil em relação ao passivo total. O segmento atacadista lidera, com o crédito mercantil representando 59,6% das dívidas contabilizadas. Ele é seguido de comércio varejista (54,4%), indústria de bens intermediários (43,8%), indústria de bens de capital (42,2%) e de serviços de telecomunicações (38,4%).
Entre os segmentos nos quais o crédito mercantil tem menor participação estão os de energia elétrica (5,5%), construção civil (22,6%), setores diversos (23,6%) e agricultura e extração vegetal (27,2%).
Para Rabi, da Serasa, o crédito mercantil é uma importante fonte de financiamento das empresas. Mesmo nos anos em que a modalidade retrocedeu, a participação se manteve acima de 30%.
O economista notou que, quanto mais próximo do consumidor a atuação da empresa, maior é a participação do crédito mercantil, como é o caso do varejo e do atacado, que movimentam muitos estoques de produtos acabados.
“O crédito mercantil não chega a ser um competidor do crédito bancário. Ele é um complemento que ganha preponderância em momentos em que o bancário acaba se retraindo. Ele tem esse papel fundamental no financiamento das atividades de diversos setores”, disse o economista.
Fonte: www.bloomberglinea.com.br
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