E-commerces estão criando canais para vender produtos com causa
O que Casas Bahia, Lojas Americanas e Mercado Livre têm em comum, além de serem superpotências do e-commerce? Nos últimos tempos, todos esses varejos criaram canais exclusivos para vender produtos de impacto social em suas plataformas. Outras, como Amazon e Shoptime, têm criado páginas especiais em datas comemorativas – como uma seleção de produtos feitos por mulheres empreendedoras durante março, de produtos Pride em junho ou de recorte racial no novembro da Consciência Negra.
Esses novos canais dão destaque a produtos com certificações de impacto positivo (como selos de orgânico, Sistema B, cruelty free, carbono neutro, EuReciclo, etc.) e/ou que geram renda para causas, organizações sociais e grupos minorizados. As ofertas costumam vir acompanhadas de conteúdo que promove os diferenciais dos produtos, como a história inspiradora dos empreendedores por trás da marca ou a origem dos ingredientes.
A estratégia de portfólio varia: Mercado Livre, por exemplo, trabalha na curadoria de produtores que já estão na sua base e já se anuncia como a maior loja de produtos de impacto da América Latina; Lojas Americanas criou uma espécie de marketplace social, voltado para ONGs venderem seus produtos sociais com 100% do lucro revertido para as causas; Casas Bahia trouxe para dentro de seu e-commerce a Pangeia, uma loja virtual de produtos sustentáveis.
Ainda que sejam iniciativas pequenas (por enquanto), não é pouca coisa ver major players investirem em programação de plataforma, curadoria de produtos, modelagem de negócios, estoque, distribuição, marketing e mídia para promover o consumo consciente. Especialmente se reparamos que a maior parte desse portfólio de produtos de impacto positivo é feito de marcas alternativas, pequenos negócios sociais e ONGs, que jamais alcançariam a mesma exposição e base de clientes em seus próprios canais digitais.
Essa virada no digital lembra uma história do varejo físico que aconteceu no começo dos anos 2000 e se tornou quase uma lenda do poder do varejo para afetar a sustentabilidade. Na época, o gigante Walmart tomou uma decisão aparentemente simples: mudou as lâmpadas de lugar nas prateleiras de suas lojas nos Estados Unidos. As incandescentes, mais baratas, menos duráveis e de consumo energético muito maior foram tiradas das gôndolas que ficam na altura dos olhos – as mais valiosas, onde ficam os produtos mais vendidos.
As lâmpadas quentes migraram para as prateleiras mais altas, menos acessadas. E, em seus lugares, entraram as lâmpadas fluorescentes e de menor consumo energético (e mais caras também; o Walmart, em parceria com a General Eletric, dona então de 60% do mercado de lâmpadas, reduziu suas margens na época para torná-las mais competitivas e incentivar a troca).
A mudança no oferecimento, somada à promoção e a campanhas de educação e incentivo nas lojas multiplicaram as vendas: foram mais de 100 milhões de lâmpadas fluorescentes vendidas em 9 meses, o equivalente em economia de carbono a tirar 700 mil carros da rua. Pelas contas do varejo, ao longo da vida útil dos novos bulbos, os consumidores iriam economizar US$ 3 bilhões em contas de energia elétrica. Não à toa, essa campanha é tida como um dos “tipping points”, ou pontos de virada para uma mudança em massa de comportamento do público americano.
Ou seja, podemos ter muitos consumidores interessados em produtos mais “do bem” – mais sustentáveis, certificados positivamente, que doam, que são associados a causas – como mostram incontáveis pesquisas de comportamento nos últimos anos. Mas o que vai mudar mesmo o jogo do consumo consciente é dar acesso e prioridade a esses produtos – o que inclui não só um lugar ao sol no marketplace, mas também mídia, menores margens e soluções integradas de logística para as iniciativas.
Só assim essas marcas ganharão escala, influenciarão a cadeia produtiva, terão preços reduzidos e poderão, de fato, virarem hábitos de massa e não luxo para poucos. É botar a lâmpada certa, na gôndola certa, com o melhor preço e serviço. Ao menos no e-commerce, esse movimento no Brasil parece que começou a engrenar.
*Por Roberta Faria e Rodrigo Pipponzio, co-CEOs do Grupo MOL, ecossistema de negócios sociais que promovem a cultura de doação, originalmente publicado em Mercado&Consumo
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