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Especialista aponta os 7 erros na gestão da Ricardo Eletro

Por Natalia Concentino - 19 de Outubro 2020

No enredo bíblico, os sete pecados capitais (avareza, gula, inveja, ira, luxúria, preguiça e soberba) levam à ruína. Na cartilha dos negócios, as transgressões que levam à bancarrota não são as mesmas, mas o manual de boa conduta administrativa precisa ser cumprido pelas empresas. Não foi o que fez, ao que tudo indica, a Máquina de Vendas, grupo com faturamento estimado em R$ 2,6 bilhões neste ano e formado pela fusão das redes Ricardo Eletro, CityLar, Eletro Shopping, Insinuante e Salfer. Com dívidas de quase R$ 4 bilhões, a empresa recorreu à Recuperação Judicial – aceita pela Justiça em agosto – para não fechar as portas. Na terça-feira (13), o grupo oficializou o plano de recuperação, que atende a 17 mil credores e prevê a venda do centro de distribuição próprio, localizado em Goiás.

O sufoco da companhia contrasta com o sucesso de suas principais concorrentes, especialmente Magazine Luiza e Via Varejo (dona de Casas Bahia e Ponto Frio), e pode resultar no seu desaparecimento. Para os especialistas, a companhia cometeu uma série de erros, entre eles se destaca uma gestão centralizada e polêmica (o dono se envolveu em várias investigações policiais), frequente ruptura de gôndola (quando faltam produtos nas lojas), lentidão de reposição de estoques, margens espremidas por promoções e liquidações, resistência em investir nos canais digitais e a incapacidade de construção da marca. “A situação da Máquina de Vendas é resultado de anos mal trabalhados, em uma companhia que nunca conseguiu se profissionalizar”, afirmou André Pimentel, sócio da Performa Partners, consultoria especializada em reestruturação.

O primeiro pecado da Máquina de Vendas teria sido a construção de uma empresa baseada em gestão extremamente centralizada no dono. Fundador e membro do conselho do grupo até março de 2019, Ricardo Nunes era o rosto publicitário da marca, além de participar de todo o funcionamento do negócio. Para Pimentel, a presença marcante do empresário impossibilitou a companhia de construir uma equipe profissional, que se sustentasse sozinha. “É difícil atrair talentos, porque eles não gostam de se submeter a um modelo de gestão baseado em uma liderança centralizadora”, afirmou. Para ele, a saída de Ricardo não consertou o problema, já que o tabuleiro de sucessão dos novos líderes já teria peças marcadas no quadro da companhia. Seria o caso do atual CEO da empresa, Pedro Bianchi, que já foi diretor e presidente do conselho de administração da rede varejista.

Essa forte ligação da imagem de Ricardo Nunes com a marca reflete em outro erro: o desgaste causado por polêmicas. O motivo é a presença do fundador da Ricardo Eletro em casos policiais. Em julho deste ano, ele foi preso sob a acusação de sonegar impostos por mais de uma década, resultando em um montante de R$ 380 milhões, relacionados apenas às vendas no estado de Minas Gerais. O empresário nega todas as acusações.

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Para Alfredo Soares, consultor de varejo e especialista em e-commerce, o novo consumidor tem buscado se afastar de empresas com esse perfil de gestão. “As pessoas estão mais conscientes e engajadas. Não querem dar lucro a uma pessoa que faz algo errado”, disse. Soares aponta ainda uma consequência dos dois primeiros erros citados, resultando no terceiro pecado: a impossibilidade de construção de marca. “Toda a estratégia é pautada no preço, criando consumidores que buscam ofertas, e não clientes que buscam a experiência da marca”, afirmou.

Vilã do varejo em geral, a ruptura de gôndola é apontada como uma falha recorrente da rede. Para Pimentel, da Performa Partners, essa ruptura é causada por ineficiência operacional, resultado da falta de logística integrada. O especialista cita outro equívoco, relacionado ao anterior. “A compra de muito estoque de um único produto para a realização de grandes ofertas custa o caixa da empresa”, afirmou. Resultado dessa bola de neve, segundo Pimentel, é a lentidão da reposição de estoque. O que destrói qualquer estratégia promocional. “O produto mais caro é aquele que você não tem à disposição.” Para ele, a resistência na construção de uma operação de e-commerce completa foi outro erro. “Não souberam entender para onde o varejo estava indo”, disse.

Tentando escapar da insolvência, o grupo – que já demitiu 3,5 mil funcionários e fechou todas as suas 330 lojas – aposta em concentrar as vendas nos canais digitais. O novo modelo de negócio é baseado na atuação de revendedores on-line. Sem ligação direta com a rede varejista, eles terão um comissionamento que pode variar entre 8% e 12%. Para 2021, a companhia acredita conseguir duplicar o número de vendas, saindo das 300 milhões previstas para este ano e alcançando 600 milhões. “É uma expectativa realista”, disse a diretora jurídica do grupo, Giovanna Michelleto. Para o especialista em recuperação judicial André Pimentel, nem mesmo a criação de uma nova marca, totalmente digital, pode ser capaz de reerguer a companhia, que está em processo de soft landing. “Eles estão tentando controlar a queda da empresa para afetar o menor número de credores. As marcas, como conhecemos hoje, desaparecerão e darão lugar a uma nova”, afirmou Pimentel.

(Com informações da IstoÉ Dinheiro)

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