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Herdeiros do fundador da Casas Bahia brigam pela fortuna

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Quase uma década após a morte do fundador da Casas Bahia  os três filhos do empresário Samuel Klein ainda travam uma guerra judicial sobre a partilha da fortuna do “rei do varejo”, como ficou conhecido o imigrante polonês que morreu aos 91 anos em São Paulo em 2014.

 

O processo de discussão do inventário está travado no STJ (Superior Tribunal de Justiça), sem prazo para retomada, em razão de um pedido de investigação de paternidade (veja mais abaixo). Os herdeiros e filhos do fundador, Michael, Saul, Eva, protagonizam desentendimentos também em outras frentes.

 

O caso corria sob segredo de Justiça, mas o sigilo foi derrubado por ordem judicial. Saul questiona a conduta de Michael enquanto era este braço direito do pai na gestão da Casas Bahia e suspeita da real dimensão do patrimônio da partilha, segundo documentos judiciais vistos por Bloomberg Línea. Um inquérito policial também apura suposta falsificação de assinaturas do patriarca em atos societários.

 

Procurado pela Bloomberg Línea, o escritório de defesa de Michael Klein não respondeu ao pedido de entrevista. As defesas de Eva, que mora nos EUA, e da família de Moacyr não foram encontradas.

 

A Casas Bahia não quis comentar o envolvimento de sua marca e do maior acionista individual da companhia no caso da disputa do espólio do seu fundador.

 

Fundada em 1952 em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, a Casas Bahia se tornou uma das maiores redes varejistas do Brasil com a venda de eletrodomésticos, eletroeletrônicos e móveis.

 

O patrimônio em disputa não atinge a companhia listada em bolsa, pois envolve ativos que foram separados com a mudança de controle, enquanto o patriarca estava vivo. A Casas Bahia tem valor de mercado aproximado de R$ 680 milhões, segundo o fechamento na quarta-feira (8).

 

Em 2009, Samuel Klein vendeu o controle da Casas Bahia ao Grupo Pão de Açúcar, o GPA. Dez anos depois, Michael chegou a comprar ações da então Via Varejo que eram do GPA. 

 

O plano de partilha ainda não foi homologado pela Justiça porque aguarda o STJ decidir se o inventário pode incluir ou não os herdeiros e a viúva de Moacyr Ramos, suposto filho de Samuel que morreu em 2021, aos 45 anos.

 

Ele alegou ter direito a uma parte da herança, mas não chegou a ser submetido a um exame de DNA - há um pedido de realização de teste com material genético dos herdeiros de Moacyr e de Samuel.

 

O inventário em si segue paralisado em uma vara civil de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo.

 

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Quanto Samuel deixou para os filhos?

 

Quando Samuel morreu em novembro de 2014, Michael declarou que o patrimônio do pai seria de R$ 500 milhões. Desse valor, um montante de R$ 300 milhões seria referente ao valor da participação do pai na antiga Casas Bahia, antes da transação com o Pão de Açúcar.

 

O restante (R$ 200 milhões) envolve outros imóveis e bens. Quando o controle da varejista foi transferido para o Pão de Açúcar, a família Klein ficou com os imóveis. Até hoje centenas de lojas do Pão de Açúcar pagam aluguel.

 

O memorando de entendimento sobre como seria feita a partilha envolveu Michael, Saul, Eva e os dois filhos mais velhos de Michael, Natalie e Raphael. Houve ainda uma escritura pública nos mesmos termos do plano de partilha, que foi submetido à Justiça.

 

A defesa de Saul sustenta que, por esse plano, ele teria direito a R$ 260 milhões, mas que até hoje só teria recebido R$ 27 milhões. Os advogados, que assumiram o caso em outubro de 2022, questionaram o valor do inventário. A suspeita é que o valor do patrimônio da partilha pode chegar a R$ 3 bilhões.

 

Alterações no contrato social antes da morte de Samuel e transferência de cotas para empresas dos filhos menores de Michael foram citadas pela defesa de Saul como indícios de uma suposta estratégia de diminuição patrimonial do patriarca em seus últimos anos de vida.

 

Perícia para assinaturas

 

Um dos atos societários questionados é a mudança do controle da Casas Bahia entre outubro e novembro de 2002, quando Samuel (55%) deixou de ser sócio majoritário e passa a ser minoritário, após cancelamento de cotas em favor do filho Michael (45%). Após dois atos societários, a participação do patriarca caiu para 22,5%.

 

Os advogados e Saul chegaram a contratar dois peritos em 2023 para verificar a assinatura de Samuel nos documentos e conseguiram laudo que coloca em dúvida a legitimidade e a autenticidade das assinaturas. Michael questionou o trabalho dos peritos pagos pelo irmão. Há uma demanda para a instauração de um inquérito policial para apurar o eventual crime na falsificação das assinaturas.

 

Nesse período dos atos societários, Samuel já se encontrava enfermo, com quase 90 anos de idade, com entradas frequentes no Hospital Israelita Albert Einstein, na capital paulista. Prontuários médicos do patriarca foram incluídos no inquérito. Os autos indicam que o Instituto de Criminalística de São Paulo terá que realizar nova perícia para verificar a autenticidade dessas assinaturas.

 

A estimativa feita pela defesa de Saul é que mais de R$ 1 bilhão terá que retornar ao patrimônio de Samuel caso sejam anulados os atos societários que resultaram no aumento de participação acionária de Michael antes da morte do pai, fazendo aumentar o bolo da partilha a ser dividido entre os herdeiros.

 

Rastreamento de bens do patriarca

 

Os questionamentos sobre o tamanho real do patrimônio da partilha não se limitam aos recursos no Brasil, segundo a defesa de Saul. O argumento é que Samuel teria valores no exterior que poderiam ser adicionados ao inventário, aumentando a fatia de cada um dos herdeiros.

 

Diante do fato de que Michael ajudava o pai a administrar o “império” do varejo, os advogados de Saul questionam a razão de o patriarca ter declarado possuir R$ 2,1 bilhões no Imposto de Renda em 2009, de ter feito um testamento com doação de R$ 883 milhões para cada um dos três filhos e, posteriormente, em 2014, ano de sua morte, dispor de “apenas” R$ 500 milhões.

 

A defesa de Saul alega no processo que não tem visibilidade sobre a integralidade do patrimônio de Saul a ser dividido, sugerindo um rastreamento de bens do patriarca nos EUA e na Nova Zelândia, onde filhos de Samuel têm empresas constituídas. Também apura suposta participação detida por Saul na antiga Via Varejo.

 

Essas dúvidas sobre o valor da partilha surgem no momento em que a família do suposto filho Moacyr recorre no STJ, após ter perdido na primeira instância, sobre o direito de ser incluída na partilha. Esse caso aguarda o julgamento.

 

Além do inventário, Saul e Michael travam um litígio que envolve um empréstimo de R$ 30 milhões. O primeiro argumentou que o irmão não teria integralizado o pagamento desse valor, enquanto o segundo diz que chegou a oferecer um seguro garantia para o valor cobrado. O caso não tem relação com o inventário.

 

Em outro processo, Saul ganhou manchetes no ano passado após ser condenado no ano passado pela Justiça do Trabalho de São Paulo a pagar R$ 30 milhões por aliciamento e exploração sexual de adolescentes e jovens. O empresário nega, por meio de sua defesa, a prática de qualquer crime.

 

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Fim do sigilo do caso

 

Em 30 de janeiro de 2024, a Justiça retirou o sigilo do caso, considerando a ausência de “causa apta a excepcionar o princípio da publicidade”.

 

Tecnicamente, a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao recurso interposto por Saul para retirar o sigilo do inventário de Samuel Klein.

 

“O pedido formulado pelo inventariante pauta-se na inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Em contrarrazões, acrescenta ainda como motivo o sucesso profissional obtido pelo autor da herança”, cita o trecho do acórdão proferido nos autos do agravo de instrumento.

 

O inventário teve início no dia 16 de janeiro de 2015.

 

Em março daquele ano, Michael apresentou as primeiras declarações do inventário do pai, indicando o valor da herança em R$ 499 milhões. Após análise de documentos e movimentações societárias realizadas nos últimos anos de vida de Samuel, entre novembro de 2012 e novembro de 2014, advogados de Saul disseram ter identificado um patrimônio que supera R$ 8 bilhões no Brasil e US$ 500 milhões no exterior.

 

As operações realizadas nos últimos dois anos de vida de Samuel teriam beneficiado diretamente os filhos Michael e Eva, além dos dois netos (Rafael e Natalie), segundo a defesa de Saul.

 

Essas operações (redução de capital da empresa, transferência de ações, doações diretas e indiretas para Michael e filhos menores) representaram, segundo os advogados, uma redução no patrimônio de Samuel da ordem de R$ 8 bilhões.

 

Para comprovar as alegações no inventário, a defesa de Saul apresentou diversos documentos, como contratos sociais, comunicados ao mercado, documentos societários obtidos no órgão de registro da Nova Zelândia, entre outros, a fim de demonstrar a transferência do patrimônio de Samuel para filhos e netos.

 

Além desse existem ao menos cinco processos que discutem temas como a obtenção de documentos relacionados a doações realizadas por Samuel em 2013 e a exibição de comprovante de pagamento da Casa Bahia para Samuel referente à redução de capital social, no valor de R$ 377 milhões.

 

Michael Klein e outros envolvidos

 

Procurado pela Bloomberg Línea, o escritório de defesa de Michael Klein não respondeu ao pedido de entrevista.

 

As defesas de Eva, que mora nos EUA, e da família de Moacyr não foram encontradas.

 

A Casas Bahia não quis comentar o envolvimento de sua marca e do maior acionista individual da companhia no caso da disputa do espólio do seu fundador.

 

Em entrevista ao Estado de S. Paulo no início de abril, Michael disse ser um acionista passivo, sem o controle da varejista nem assento no conselho de administração, e que se dedica à gestão de seus negócios em galpões logísticos e concessionárias de carros em São Paulo.

 

“Hoje, eu tenho menos de 10% [do Grupo Casas Bahia]. A família, ao todo, tem em torno de 24% e 25%. Arredondando, a minha filha Natalie Klein possui 5%, o meu filho Raphael Klein tem 5%, e a minha irmã Eva, que mora há 35 anos nos Estados Unidos, tem 5%”, disse o empresário ao jornal.

 

O empresário também comentou a recente mudança de nome de Via Varejo para Grupo Casas Bahia.

 

“Nós adotamos Grupo CB. O meu registro é o mesmo desde 1952, como Grupo Casas Bahia Comercial Ltda. Podemos usar qualquer nome de fantasia, mas o registro continua esse. De vez em quando, eu recebo bloqueios de bens por conta de dívidas da empresa de varejo. O juiz, às vezes, confunde as empresas, e temos de explicar que são duas empresas diferentes”, disse Klein ao Estadão.

 

Fonte: www.infomoney.com.br

 

 

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