Inadimplência e vendas frustradas é ameaça para grandes redes
As varejistas, que costumam depositar no fim do ano uma esperança de aquecimento das vendas, em razão das datas festivas e da Black Friday, podem terminar 2022 com números frustrantes para o quarto trimestre, graças a um velho conhecido do setor: o alto endividamento dos consumidores.
No caso das varejistas que também trabalham com concessão de crédito para financiar o consumo, como Magazine Luiza e Via, o golpe pode ser duplo, porque a situação de aperto financeiro das famílias não só diminui a disposição para consumir, mas também aumenta a inadimplência, ainda mais com os juros elevados.
De acordo com dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio) divulgados em 6 de dezembro, o percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer recuou 0,3 ponto percentual em novembro, na comparação com o mês anterior, alcançando 78,9% das famílias brasileiras.
Contudo, apesar do recuo mensal, o percentual de famílias endividadas segue elevado: na comparação com novembro de 2021, a proporção avançou 3,3 pontos percentuais.
Além disso, a pesquisa de endividamento e inadimplência do consumidor da CNC apontou também que, apesar da diminuição mensal na quantidade de famílias endividadas, houve um aumento do grau de cautela, com 17,5% das famílias afirmando que se consideram “muito endividadas”, alta de 0,2 p.p. contra outubro e de 2,7 p.p. em relação a novembro de 2021.
Outro ponto que chama atenção é o aumento no volume de consumidores com mais da metade da renda comprometida com o pagamento de dívidas. “Em média, o brasileiro precisou gastar 30,4% de toda a sua renda apenas para pagar dívidas em novembro, isso sem contar as contas de consumo”, aponta o relatório da CNC.
O primeiro efeito do alto nível de endividamento, de acordo com analistas consultadas pela Agência TradeMap, é a queda da demanda, uma vez que o consumidor foca mais em pagar dívidas do que em adquirir produtos.
“Os orçamentos das famílias de menor renda seguem apertados, pois os juros altos aumentam as despesas financeiras associadas às dívidas em andamento”, diz a CNC, no relatório de divulgação da pesquisa.
Esta queda de demanda, de acordo com Victoria Minatto, analista de investimentos da Eleven Financial Research, já pode ser percebida nos últimos resultados de muitas companhias, que reportaram queda no volume de vendas. Segundo a analista, ainda que a receita possa apresentar alta devido ao aumento de preços dos produtos, o volume indica que as companhias têm vendido menos.
O acúmulo de dívidas também fez com que o Auxílio Brasil de R$ 600, que poderia aumentar a demanda dos consumidores, acabasse não gerando o efeito esperado.
“Falando com as empresas, vimos que esta segunda leva do Auxílio foi muito utilizada para pagar endividamento”, afirma Danniela Eiger, analista da XP Investimentos. “Eu conversei com as companhias, e nenhuma sentiu um efeito positivo do Auxílio Brasil”, completa Minatto.
E, mesmo com todo o esforço das famílias para quitar suas dívidas, as varejistas que atuam em serviços financeiros, como Magazine Luiza, Americanas e Via têm encarado outra consequência da alta do endividamento: o aumento da inadimplência.
Segundo a pesquisa da CNC, 30,3% das famílias brasileiras tinham alguma dívida em atraso em novembro, avanço anual de 4,2 p.p. No terceiro trimestre, a Magazine Luiza informou que o percentual de dívidas com mais de 90 dias de atraso teve crescimento anual de 5,7 p.p., para 9,2%, enquanto a Via anotou expansão de 1 p.p., para 8,4%.
“Grande parte das varejistas listadas em Bolsa têm crediário, então o efeito não é só no poder de compra e na falta de consumo, mas no próprio resultado da financeira da empresa”, afirma Minatto. Isso, por sua vez, tende a pressionar os lucros das companhias, que precisam aumentar as provisões para arcar com o risco de inadimplência.
Por fim, Eiger menciona ainda que a disposição de contrair novas dívidas também tem caído, criando outra ameaça para a demanda. “É um cenário muito delicado de apetite para novos endividamentos, não só porque muitas famílias estão endividadas, como também porque os juros estão muito elevados”, explica a analista.
Além dos volumes, Eiger aponta que estas dificuldades também já estão se refletindo no ticket médio das vendas das companhias, com consumidores optando por comprar itens mais baratos por não terem muita renda disponível.
Segundo a Americanas, diante principalmente da diminuição nas compras de eletrônicos, o ticket médio do terceiro trimestre teve queda de 22,1% na comparação com o mesmo período do ano passado.
Mais ameaças
Outro fator que pode jogar contra as varejistas no quarto trimestre, na avaliação da analista da XP, é a Copa do Mundo. “Apesar de a Copa ajudar algumas categorias, acho que olhando para a média ela mais atrapalha, no sentido de fluxo nas lojas e ocasião de consumo, do que ajuda”, explica.
Os resultados das empresas no quarto trimestre também podem ser impactados pela Black Friday, que frustrou as expectativas em termos de volumes de venda e ticket médio, segundo Minatto, da Eleven.
De acordo com dados da Neotrust, as vendas no varejo durante a Black Friday deste ano foram 28% menores do que as registradas em 2021, com recuo tanto nas plataformas de e-commerce quanto nas lojas físicas.
Neste ponto, porém, Minatto ressalta que a maior parte das companhias começou a realizar promoções antecipadamente, de modo que parte das vendas que ocorreriam na Black Friday pode ter sido feitas ao longo de novembro.
Quem pode se safar
Apesar de os eventos mencionados ameaçarem as varejistas de uma maneira geral, há alguns segmentos que podem ser menos prejudicados, na avaliação das analistas.
O principal, de acordo com Danniela Eiger, é o segmento de varejo alimentar, em especial as companhias focadas em lojas no formato de atacarejo, como Assaí e Grupo Mateus, que vendem produtos a preços mais atrativos.
Em primeiro lugar, estas empresas se beneficiam da própria natureza dos produtos vendidos, que são considerados itens essenciais e tendem a ter preços menores. “É uma categoria que sofre menos com o macro e é menos elástica nos dois sentidos: quando está pior, e quando está melhor também não é uma categoria que bomba”, explica Eiger.
Além disso, Victoria Minatto aponta para a possibilidade de muitos consumidores terem aproveitado as promoções da Black Friday para estocar alimentos.
O segundo segmento mais protegido, segundo Eiger, é o de farmácias, uma vez que os medicamentos também são considerados itens essenciais. “Mesmo em um cenário de renda mais fragilizada, as pessoas priorizam medicamentos”, declara a analista.
Entre as companhias de consumo discricionário, as menos prejudicadas devem ser as voltadas para o público de alta renda, diz a analista da XP, pois este consumidor tende a ter mais resiliência.
(Com informações TradeMap)
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