Mercado Livre passa de vilão a aliado no combate à pirataria
O Mercado Livre já foi considerado um antagonista quando se falava de combate à pirataria. A empresa tem um programa de remoção de anúncios de produtos falsificados ou não autorizados há cerca de 24 anos. Ainda assim, em 2019, quando a empresa decidiu intensificar seus esforços na área, o promotor do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, Richard Gantus Encinas, disse – em evento da companhia – que, na época, a empresa era considerada uma vilã. Hoje essa visão mudou no MP. Em janeiro deste ano, por exemplo, o Mercado Livre participou de uma investigação que apreendeu 21 toneladas de bebidas adulteradas.
O Programa de Proteção a Marcas (BPP na sigla em inglês) da companhia parte da lógica da legislação americana, na qual a empresa detentora das patentes deve indicar à plataforma de compras os anúncios que contém produtos irregulares. Esse fluxo, porém, pode ser demorado e gerar transtornos para as marcas, que precisam buscar ativamente os anúncios suspeitos. Para melhorar a relação com essas companhias, que, muitas vezes, também vendem seus produtos originais na plataforma, o Mercado Livre passou a buscar anúncios suspeitos antes das denúncias chegarem, por meio de “aprendizado de máquina” e inteligência artificial. No primeiro semestre de 2024, a cada postagem removida devido a uma reclamação no BPP, a empresa retirou proativamente outras 9 publicações.
Além disso, desde 2021, a empresa passou a chamar marcas estratégias para uma contribuição mais avançada, que envolve ceder dados como o desenho industrial de seus produtos para que, por meio de Inteligência Artificial, os algoritmos do Mercado Livre consigam identificar fotos e descrições de produtos falsificados de forma mais precisa. Por meio dessas parcerias, é possível enviar denúncias ao Ministério Público já com informações mais aprofundadas, o que agiliza a investigação, segundo Gantus Encinas, promotor do MP. Esse mecanismo, denominado Mercado Libre Anti-Counterfeiting (MACA), consegue, a cada reclamação feita no programa tradicional de proteção de marcas, remover proativamente outras 25 publicações.
Foi nesse contexto que foi encaminhada uma denúncia ao MP que resultou na apreensão de 21 toneladas de bebidas adulteradas de patentes da Diageo, empresa de bebidas. O responsável pela área Jurídica do Mercado Livre, Fede Deya, diz que esse processo envolveu um início de conversa difícil com a empresa, que sofria com o fato de produtos piratas de suas patentes serem comercializados na plataforma.
Ele conta que esse tipo de colaboração gera investigações internas de cerca de seis meses. Nesse processo, os próprios agentes do Mercado Livre podem comprar mercadorias suspeitas para avaliar o material entregue. Para isso, Deya diz que a companhia investiu em profissionais qualificados e em tecnologia, com uma equipe composta por 8 áreas que trabalham juntas no tema. Os valores de investimento, porém, não foram divulgados para a reportagem.
O programa começou em 2021, com 12 marcas, e, hoje, são 26 participantes. “Temos um plano daqui a 3 ou 4 anos para chegar a um número mais próximo a 100 membros”, diz o executivo. Ele avalia, no entanto, que esse modelo não deve atingir todas as marcas que participam no BPP.
As marcas habilitadas a participarem dessa cooperação têm de atender critérios como o fato de ter abrangência internacional, comercialização via Mercado Livre nos principais países de atuação da varejista (Brasil, Argentina e México), atingir um volume de vendas mínimo não revelado, bem como ter encontrado uma porcentagem mínima de produtos falsificados na plataforma do Meli. Fazem parte nomes como Adidas, Puma, Levi’s, Under Armour, Microsoft, Casio, Tommy Hilfiger, Victoria’s Secret, Crocs, Sony, Directv, Diageo, Apple, Tiffany & Co, Burberry, Lego, Syngenta, Canon y HP.
Questionado sobre as vantagens para o Mercado Livre em combater a pirataria, Deya diz que a maior intensidade com a qual a empresa se dedica ao tema hoje não diz respeito a processos sofridos ou pressões externas, mas, sim, ao fato de que a empresa deseja se tornar uma ambiente mais confiável e seguro para o consumidor, mesmo que isso signifique perder usuários mais orientados por preço na hora da compra.
O Mercado Livre já foi citado em consulta pública da União Europeia que gerou uma lista de empresas que deveriam ser observadas devido aos relatos de práticas inadequadas em relação à pirataria, em dezembro de 2020. Segundo o documento, “stakeholders” (partes interessadas) de eletrônicos, alimentos, moda, luxo, instrumentos musicais, indústrias farmacêuticas e criativas e culturais relataram ‘Mercado Libre’ para inclusão na lista de observação. À época, a companhia argentina respondeu dizendo ter compromisso de lutar contra produtos falsificados e pirateados e ter aprimorado o procedimento de notificação e remoção.
(Com informações de Estadão Conteúdo)
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