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O caminho do crescimento pelo aumento do crédito ao consumo

Discutir crescimento econômico pelo aumento do crédito ao consumo em tempos de elevado desemprego, renda real declinante, crescimento do empreendedorismo individual, tudo contaminado ainda pela inflação elevada, é um tema no mínimo delicado. Mas temos que pensar em termos estruturais e estratégicos.

 

O consumo no Brasil e, consequentemente, a produção agrícola e industrial, os serviços, o varejo, o emprego, a renda e a massa salarial poderiam crescer e serem maiores se o crédito às famílias, de forma consciente e estruturada, fosse maior, aproximando o país dos padrões de outras economias mais desenvolvidas.

 

E é importante reforçar que, apesar do elevado nível atual de endividamento, por conta da contração de emprego e renda real, o Brasil tem sistemas de controle e avaliação de riscos de concessão de crédito, tanto no sistema financeiro quanto no próprio varejo, dos mais avançados e maduros, por conta exatamente da dependência histórica do crédito às famílias para vendas no comércio e nos serviços.

 

O que limita essa evolução são questões que envolvem a concentração e a tributação e, consequentemente, a oferta e o custo desse crédito.

 

Vamos aos fatos.

 

Marcos Gouvêa de Souza*

Crédito às pessoas físicas como percentual do PIB

 

No Brasil o crédito às pessoas físicas, com base nos dados do Banco Central, representa 22,1% do PIB (fevereiro de 2022) e sua evolução através do tempo mostra que em 2008 era de 22,5% e seu pico ocorreu em 2015 com 28,5%.

 

Importante notar que o período de maior evolução recente do varejo aconteceu entre 2003 e 2015, quando ocorreu o crescimento da oferta de crédito às famílias usado na aquisição de bens e serviços e com forte expansão do crédito para compra de imóveis. Essa modalidade permitiu que despesas com locação de imóveis migrassem para pagamento dos financiamentos imobiliários, que teve forte ativação no período.

 

Quando comparamos no Brasil os nossos patamares atuais de crédito ao consumo como percentagem do PIB com o mesmo indicador de alguns outros países, como os Estados Unidos, França, Itália, Inglaterra e outros, mais ou menos desenvolvidos, nota-se que nosso percentual é significativamente baixo com potencial relevante de crescimento, desde que equacionadas as questões que o limitam.

 

Se considerarmos os dados publicados por Trading Economics consolidando informações sobre as dívidas das famílias em relação ao PIB em setembro de 2021, o Brasil aparece com um percentual de 36%; a Austrália apresenta 119%; a Coréia do Sul, 107%; Inglaterra, 88%; Estados Unidos, 78,5%; a China, 61,2%; e o Chile, 46,2%.

 

Dados do FMI vão mostrar a mesma realidade, ressaltando o quão baixo é o crédito tomado pelas famílias, pessoas físicas, em relação ao PIB do Brasil quando comparado com outras economias no mundo.

 

leia: Varejistas se reúnem em imersão sobre futuro do setor

 

Concentração

 

O crédito às famílias no Brasil é por demais concentrado, ainda que nos últimos anos tenha caído um pouco esse nível de concentração.

 

Em 2018, as cinco maiores instituições financeiras – Caixa Economia Federal, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander – detinham 80,1% de todo o crédito para pessoas físicas, percentual que caiu para 77,5% em 2020.

 

Fora CEF e BB, o percentual dos três maiores bancos privados era de 30,1% em 2018 e passou para 33,1% em 2020.

 

Os demais bancos comerciais e múltiplos e as cooperativas de crédito tinham 15,5% do total do crédito PF e esse número evoluiu para 17,9% em 2020.

 

Existe um claro interesse do Banco Central em promover a desconcentração da oferta de crédito, mas deveria ser um processo acelerado ainda mais em benefício de todos os setores econômicos potencialmente beneficiados, em especial a indústria, o varejo, o imobiliário e o serviços.

 

Tributação

 

O tema é de extrema complexidade, como absolutamente tudo que envolve tributação no Brasil, assunto que consome e subsidia uma estrutura gigantesca de agentes, entidades e corporações, onerando absolutamente tudo que se faz no país.

 

Basta tentar acompanhar as discussões eternas que envolvem uma inadiável reforma tributária com fundamental simplificação e que não consegue evoluir.

 

E seria simplista demais, mas é fundamental entender que uma redução do custo de crédito ao consumo, como até se fez no passado, tem um efeito econômico multiplicador com benefícios diretos no emprego, na renda, na massa salarial e, consequentemente, no consumo, no comércio e nos serviços, realimentando a espiral de crescimento econômico autossustentável, desde que sustentada e baseada no rigor da análise e da concessão desse crédito para que se evitasse o crescimento da inadimplência.

 

leia: IPI: caos tributário e insegurança jurídica para as indústrias

 

Inadimplência

 

Tem sido noticiado com alarde o crescimento da inadimplência derivada do crédito ao consumo.

 

De fato, pelos dados do Banco Central, em fevereiro de 2022 o percentual de inadimplência com atraso acima de 90 dias estava em 3,33%, com crescimento em relação a fevereiro de 2021, quando foi de 2,93%.

 

Mas é preciso lembrar sempre que a inadimplência varia ao longo do ano segundo o calendário das vendas, promoções e períodos sazonais e vale destacar que no mesmo mês de fevereiro de 2018 a inadimplência era de 3,70%, em 2016 era de 4,30% e em 2013 era de 4,98%.

 

Ou seja, estamos num processo evolutivo positivo ao longo do tempo por méritos de todos os negócios envolvidos na concessão, análise e cobrança do crédito e flutuações pontuais, ainda que causadas por questões ligadas a emprego, renda e inflação, não deveriam inibir movimentos mais estruturais de mudança estratégica com respeito ao crédito ao consumo e às famílias e nem se deixar contaminar pelos indicadores de inadimplência às pessoas jurídicas.

 

Esse é um daqueles temas estruturais, fora das questões políticas polarizadas pontuais, que merece uma ampla e profunda reflexão, em especial pelos setores produtivos ligados à economia real e que ajudariam muito a relativizar também o atual cenário de avaliação das empresas ligadas ao consumo e varejo, punidas por uma visão imediatista exclusivamente financeira.

 

Vale pensar!

 

*Por Marcos Gouvêa de Souza, fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo

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