O que pode estar por trás de um móvel barato
*Por Anelisa Lopes (originalmente publicado no Estadão)
Neste final de semana, assisti a um episódio da série Broken, veiculada na Netflix, sobre os chamados “fast” móveis, que são os modelos baratos comercializados à pronta entrega e de vida útil duvidosa, solução encontrada por aqueles que querem mobiliar a casa de forma rápida e com menos investimento. E que, infelizmente, pode ser mortal.
O documentário trata sobre este tipo de mobiliário pautado no índice de acidentes fatais provocados por uma cômoda vendida pela gigante sueca Ikea. O modelo Malm, retirado da linha do fabricante, foi responsável por causar a morte de pelo menos quatro crianças nos Estados Unidos, uma vez que, com as gavetas superiores abertas, o móvel tombou e caiu sobre os bebês, causando sufocamento e traumatismo.
Não pretendo discutir aqui a culpabilidade da empresa, uma vez que me parece clara sua responsabilidade ao projetar um móvel infantil que não atenda às normas mínimas de segurança. Nós profissionais de design de interiores e arquitetura, no entanto, muitas vezes nos vemos diante da possibilidade de especificar móveis do tipo devido ao orçamento limitado do cliente – a título de curiosidade, este modelo da Ikea custava menos de US$ 100. Após assistir a este capítulo, me pareceu importante ressaltar de forma documentada caso o cliente insista por este tipo de modelo no projeto.
Um móvel fabricado com material de baixo custo, montagem simples, financeiramente viável e entregue num curto prazo de tempo parece a solução perfeita para quem não pode ou não quer gastar com mobília. Este cenário, porém, provoca acidentes como o citado acima com mais frequência do que se pode imaginar. Segundo uma nota da comissão de segurança norte-americana, uma criança morre a cada duas semanas e uma é ferida a cada 24 minutos nos Estados Unidos em razão do mobiliário ou de quedas de TVs.
Esta situação me fez refletir sobre o compromisso dos profissionais na indicação de móveis prontos mal projetados, mas também em outras situações que possam causar quedas, sufocação ou envenenamento e que podem ser evitadas pelo nosso conhecimento técnico – aqui destaco a necessidade de sempre escolher um profissional bem capacitado. Para se ter uma ideia, o isolamento social provocado pela pandemia foi um dos fatores que levou a um aumento de 112% no número de casos de atendimento de crianças e adolescentes de até 15 anos pelo SUS envolvidos em acidentes domésticos.
De acordo com números divulgados pelo Ministério da Saúde, de março a outubro de 2019, foram realizadas 18.525 consultas. Em 2020, no mesmo período, o número subiu para 39.285. Quedas, asfixia, sufocação, intoxicações, queimaduras e afogamentos são os principais causadores deste tipo de acidente.
É preciso ficar atento a que tipo de mobiliário você terá na sua casa, principalmente se há presença de crianças, idosos e pets. Além dos móveis, é importante ter cuidado redobrado com plantas, vidros, porcelanas e afins, além de eletrodomésticos, enxoval, varal e tipo de piso. Vale a pena destacar que 90% dessas ocorrências acidentais ou fatais podem ser evitadas com medidas simples de prevenção.
*Anelisa Lopes é jornalista e designer de interiores. Busca inspiração para seus projetos nos mais variados lugares: paisagens, hotéis, restaurantes, lojas e, claro, em todos os lares que visita. @anaelisalopes
Comentários