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Polo moveleiro do Amazonas sofre com desabastecimento

Por Natalia Concentino - 26 de Abril 2021

Com a pandemia, diversos segmentos econômicos foram afetados no Amazonas. Um dos mais prejudicados foi o Polo Moveleiro do estado, principalmente pelo desabastecimento e diante da ausência de uma organização administrativa que represente os trabalhadores do ramo - fabricantes e vendedores de móveis. Desde 2020, marceneiros e donos de lojas na capital e no interior tiveram queda de 60% nas vendas.

Economistas contestam a falta de um órgão que estimule esse setor, fomentando a economia amazonense.

Desde a chegada da segunda onda da Covid-19, marcenarias em Manaus enfrentam dificuldades com o desabastecimento de matéria-prima. Por depender da madeira importada do interior, com a falta de acessibilidade portuária e rodoviária nos últimos meses, os trabalhadores do segmento tiveram que paralisar suas fabricações.

Enquanto isso, no interior do Amazonas, os que produzem e abastecem as lojas na capital também foram prejudicados.

Proprietário de uma marcenaria em Urucará (a 260 quilômetros de Manaus), Ebenildo Santos, 41 anos, foi um dos atingidos pela crise econômica. Há 14 anos no ramo, o dono revela que vive momentos difíceis desde março de 2020. Acostumado a fabricar e enviar suas produções para Parintins, Boa Vista dos Ramos, Maués e Manaus, o marceneiro deixou de atender esses municípios e a capital com a chegada da pandemia.

Com a paralisação do comércio, as vendas de móveis caíram 60%. Com a queda, Santos foi obrigado a dispensar um funcionário e, atualmente, conta somente com dois colaboradores. Desde a reabertura dos estabelecimentos comerciais, o empreendedor voltou a fabricar e fornecer móveis, contudo, sofrendo com adversidades.

Focando nas encomendas, o proprietário precisa assumir os custos do envio das mercadorias por acesso fluvial. Ele conta que, ao ter que lidar com os desafios, sente falta de ter uma associação ou um grupo administrativo capaz de representar o segmento.

"Eu nunca procurei financiamento, mas seria muito importante ter esse apoio. Precisamos de uma representação que nos ajude", enfatiza.

Assim como Santos, o marceneiro Gideão Castro, 41 anos, foi afetado diretamente pela paralisação da atividade comercial - uma vez que os móveis pararam de ser vendidos e, consequentemente, deixaram de ser fabricados. Produtor de todos os tipos de móveis, como mesas, cadeiras, armários e camas, o dono de uma marcenaria no Rio Preto da Eva (a 80,9 quilômetros da capital) costuma trabalhar com os seguintes tipos de madeira: angelim-pedra, cumaru e louro gamela.

Para atuar no ramo, Castro destaca que os obstáculos são muitos, incluindo o processo burocrático para simplesmente registrar uma marcenaria.

“Para trabalhar legalmente como marceneiro é uma burocracia muito grande. Até chegar no Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), tem que passar pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), e os resíduos devem ser direcionados para o local certo. São muitos processos, que devem ser feitos conforme a orientação”, revela o marceneiro.

Por não depender de matéria-prima de regiões distantes - importando de Itapiranga, Novo Remanso e até mesmo de Rio Preto da Eva - Castro não teve dificuldade para encontrar madeira. Porém, ele também foi atingido com um prejuízo de 60% nas vendas, chegando a demitir nove colaboradores, permanecendo apenas quatro. “Sem venda não tem como fabricar”, pontua.

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Desabastecimento

Diferente dos proprietários que estão próximos das regiões fornecedoras de madeira, os marceneiros da capital amazonense enfrentaram um total desabastecimento de matéria-prima para suas produções.

A terapeuta familiar Vanessa Costa, 30 anos, foi uma das clientes que procurou vários fabricantes para encomendar um rack de madeira durante a pandemia, mas não obteve sucesso. "Cheguei a ir em seis locais que faziam móveis por encomenda, mas todos diziam estar sem madeira para produzir e sem previsão de chegada", relembra.

Proprietário de uma loja de móveis na cidade, Jailson Lima, 67 anos, confirma a falta do material. Antes da pandemia, o foco do negócio era a produção, contudo, com a chegada da crise financeira, Lima foi obrigado a parar de fabricar, passando a revender.

Com seu empreendimento localizado na Zona Oeste de Manaus, atualmente, ex-marceneiro possui quase mil móveis a pronta entrega.

“Os problemas foram vários, falta de madeira, loja fechada. Mas, com a escassez da madeira e a burocracia, parei de fabricar e passei a revender. Nós sobrevivemos porque temos um estabelecimento próprio. Alguns colegas, que pagavam aluguel, acabaram indo à falência. Não temos nenhuma ajuda do estado e de ninguém. Nem associação ou cooperativa temos”, desabafa.

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Potencial econômico

De acordo com o economista Origenes Martins, o Polo Moveleiro se manteve forte por um bom tempo no Amazonas, porém, deixou de ser um grande setor pela ausência de administração. Ou seja, pela necessidade de uma entidade legal para dar suporte e representar os trabalhadores do ramo.

“O trabalho ficou muito na esfera individual, mostrando a falta de capacidade de se adequar às necessidades da economia moderna”, analisa o profissional.

Apesar de não ser uma área desenvolvida, Martins destaca que o segmento tem potencial, principalmente pela qualidade e diversidade de materiais, aliados a capacidade artística do setor moveleiro. Além de ser uma atividade produtiva independente do Polo Industrial de Manaus (PIM), o que significa ter uma disposição para se desenvolver bem no interior e trazer outra opção para a movimentação da economia.

Nesse contexto, o economista Wallace Meirelles enfatiza que o Amazonas é sempre muito dependente do PIM.

Segundo ele, dos 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, 50% estão relacionados ao setor de serviços, 28% correspondem à indústria, e apenas 6% à economia primária - como agricultura, pecuária e extrativismo. Em sua visão, caso houvesse maior incentivo, a produção de móveis no interior poderia aumentar o resultado de 6% e gerar mais uma opção de desenvolvimento para a economia.

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Incentivo para o setor

Para o economista Sóstenes Farias, o setor só não se desenvolveu pelo descaso político e econômico. De acordo com ele, no passado, grandes fábricas de móveis eram referências na capital.

Hoje, só existem algumas menores e em menor quantidade. Farias acredita que o segmento possui capacidade para gerar emprego e renda no estado.

“Essa é uma atividade altamente rentável e geradora de emprego e renda para a nossa região. O que falta, atualmente, são incentivos para trabalharmos a nossa matéria-prima, agregando valor aos artigos e produtos aqui fabricados. Não sei se por uma questão de comodidade, mas a maioria das oficinas só trabalha com modulados, o que não agrega valor, nem oportuniza frente de trabalho para quem precisa”, pontua Farias.

O economista ainda articula que poderiam ser oferecidos incentivos para que os marceneiros pudessem contar com um capital de giro, principalmente os que fazem parte do grupo de pequenos e médios empreendedores.

Pensando em como auxiliar os trabalhadores do ramo, o economista Martins salienta que estão disponíveis os programas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), administrado pelo Banco da Amazônia (Basa), e da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam). “No entanto, os dois exigem estrutura administrativa e funcional”, esclarece.

(Com informações do Em tempo)

 

 

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