Quase 150 lojas fecham em um ano na esteira dos juros altos
Imersas numa tempestade provocada pela alta taxa de juros no país — o Banco Central deve manter a Selic em 13,75% nesta quarta —, varejistas remam como podem, mas ainda estão longe de chegar em terra firme. Além de endividadas, registram quedas expressivas na Bolsa brasileira. Para reverter o cenário, reavaliam investimentos, fechando lojas físicas e apostando mais em tecnologia.
Um levantamento feito pela Ável Investimentos mostra que pelo menos 144 lojas de varejo foram fechadas nos 12 meses finalizados em março — últimos dados disponíveis —, desconsiderando o setor de alimentos. O número é o saldo de unidades abertas e que encerraram as atividades.
Das marcas analisadas, a maior redução foi feita pelo Magazine Luiza, que saiu de 1.477 unidades para 1.302. No primeiro trimestre do ano, a empresa registrou prejuízo de R$ 391,2 milhões, mais que o dobro do mesmo período de 2022, e teve perda de 8,45% na Bolsa. Nos 12 meses terminados em maio, a queda foi ainda maior: 22,29%
Embora tenha registrado saldo positivo nos 12 meses encerrados em março, passando de 330 para 344 lojas, a Marisa, que passa por reestruturação financeira, anunciou no mês passado que fechará 91 lojas.
A companhia teve prejuízo de R$ 149 milhões no primeiro trimestre de 2023 frente a um prejuízo de R$ 90,7 milhões em igual intervalo do ano passado. Na Bolsa, as ações despencaram 71,43% em um ano.
Dependência de crédito
O economista e sócio da Nomos, Beto Saadia, diz que, durante a pandemia, quando a taxa Selic estava no patamar de 2% ao ano, as varejistas tomaram muito crédito para comprar mercadorias, apostando no crescimento das vendas on-line.
Com os juros em 13,75% e mais de 70% dos consumidores endividados, essas empresas viram o consumo reduzir e as suas dívidas se multiplicarem. Assim, a conta passou a não fechar mais.
“As varejistas são muito dependentes de crédito. Vendem coisas que às vezes nem pagaram ainda para o fornecedor, é o chamado risco sacado”, explica Saadia.
Ele complementa:
“A empresa compra do fornecedor para pagar em 12 meses e vende para o cliente pagar também em 12 meses. Tudo é crédito. Então, quanto mais alto os juros, mais cara a compra do fornecedor e mais cara a compra do cliente”.
Mesmo diante da perspectiva de redução de juros no segundo semestre, a partir de agosto, o economista alerta que o cenário desafiador deve permanecer por um longo período para as varejistas, já que o “efeito da menor taxa de juros demora a chegar na economia real”. Por isso, acredita ser provável que os investimentos sigam critérios mais rígidos para se concretizarem.
Phil Soares da Órama, chefe de análise de ações da Órama, destaca, entretanto, que nem todas as varejistas podem ser colocadas no mesmo barco. A situação é pior para Americanas, Tok&Stock e Marisa, que estão negociando suas dívidas com credores.
“A Renner fechou várias lojas recentemente, mas também fez aberturas. Então, o saldo final fica positivo. A tendência também é que as lojas se transformem e virem uma espécie de centro de distribuição, não só um ponto de contato do consumidor”, diz ele.
Com lucro de R$ 46,8 milhões no primeiro trimestre deste ano, redução de 75% em relação a 2022, a Renner informou que prevê abrir 40 unidades este ano incluindo todas as suas marcas, incluindo Camicado e Youcom. Os fechamentos serão pontuais e “dentro da normalidade”.
A concorrente C&A, que conseguiu reduzir o prejuízo de R$ 152,7 milhões para R$ 126,3 milhões entre os primeiros trimestres de 2022 e 2023, além de ganhar 26,67% na Bolsa no período, respondeu que inaugurou 17 lojas físicas no ano passado e mais três este ano.
De acordo com a empresa, as unidades são, cada vez mais, estratégicas para a consolidação da marca como multicanal. Através de um modelo operacional chamado Ship From Store, “a C&A utiliza o estoque de loja local para atender com mais agilidade os pedidos realizados em seu e-commerce e aplicativo nas regiões".
Integração físico e digital
Na prática, ao invés da compra sair do centro de distribuição da varejista, ela sai da própria loja, otimizando o prazo de entrega, diz a companhia.
Na visão do assessor de investimentos e especialista em varejo da Ável, Jefferson Correa, empresas de varejo que fazem representação comercial acabam sofrendo mais do que as que têm fabricação própria, porque suas margens ficam ainda mais comprimidas:
“No caso do Magalu, que vende produto da Brastemp, Eletrolux, a margem bruta de ganho é pequena. Por outro lado, a C&A, que tem indústria, consegue reduzir bastante os custos de fabricação e consegue margem maior”.
E continua:
“O lucro da Renner foi menor porque a inadimplência está aumentando. Quando você olha para o Magalu, o problema é a ineficiência operacional. Tomaram alavancagem muito grande e agora não conseguem saldar a dívida”.
Para engordar o caixa, Ricardo Saravalle, líder de varejo da consultoria internacional Bip, defende que as empresas precisam fortalecer a omnicanalidade, sistema de integração entre o mundo físico e o digital que inclui “clique e retire”, em que compras on-line que podem ser retiradas presencialmente sem pagamento de frete.
O sistema também permite devoluções nas lojas de produtos comprados pela internet e digitalização de atividades da loja, como entrada de notas fiscais. Ele sugere ainda fortalecimento do estoque das lojas físicas para atender pedidos realizados on-line e maior uso de parceiros de entrega na chamada last mile, como Rappi, Shopper, entre outros.
(Com informações Extra)
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