Uma tempestade de problemas que ninguém sabe quando termina
Quando a pandemia chegou, já era desesperador imaginar o problema de saúde que o coronavírus geraria na humanidade. Mas o covid-19 não chegou sozinho, e nem deixou apenas sequelas nas pessoas contaminadas. É possível que os estragos provocados na economia durem bem mais do que o próprio vírus, que dá sinais de enfraquecimento por conta dos esforços da medicina na geração de vacinas e medicamentos.
Em todo o mundo, fabricantes de tudo, de armários a carros ou computadores, ainda estão lutando contra uma crise logística que interrompeu o fornecimento de insumos essenciais, ameaçando a recuperação econômica pós-pandemia e aumentando a inflação.
Combinado com o aumento da demanda do consumidor com a reabertura das economias, na Europa essa escassez levou a inflação a atingir uma alta de uma década - um fator que pode levar o Banco Central Europeu a reduzir seu programa de estímulo à pandemia de € 1,85 trilhão.
Móveis, o último setor a sentir o aperto na cadeia de suprimentos, resume os problemas mais amplos. Até mesmo empresas gigantes como a Ikea foram afetadas. A fabricante sueca de móveis disse ao Financial Times que não pode prever quando o abastecimento normal será retomado por causa de uma “tempestade perfeita de problemas” que inclui uma escassez de caminhoneiros no Reino Unido. “Não somos ingênuos em pensar que isso acabará nas próximas semanas ou mesmo meses”, disse Henrik Elm, gerente de suprimento global da Ikea, sobre as interrupções.
Um em cada três fabricantes de móveis da União Europeia afirma ter sido afetado pela escassez de suprimentos, de acordo com uma pesquisa trimestral da Comissão Europeia. Em um nível global, os altos custos de envio e atrasos na entrega devido ao mau tempo e as paralisações da Covid-19 nos principais portos asiáticos também são grandes problemas.
O transporte é um “pesadelo” onde até “um parafuso ou pequeno componente vindo da Ásia pode levar três meses”, disse o diretor da Temahome, que vende em mais de 45 países ao redor do mundo. “Tivemos 16 contêineres embarcados para os Estados Unidos em junho e julho e eles ainda não haviam chegado em agosto. Os prazos de entrega para os EUA dobraram. “Os custos de transporte dispararam. Entre a China e a Europa, as taxas são quase sete vezes mais altas do que em agosto do ano passado, de acordo com a provedora de dados Freightos. Para contornar esse problema, a Ikea disse que estava desviando alguns suprimentos para os trens. “Usaremos o transporte ferroviário da China para a Europa para liberar capacidade de contêineres que podemos usar para enviar mais aos EUA”, acrescentou a empresa.
Enquanto isso, nos Estados Unidos o fornecimento de madeira geralmente transportado por caminhão através dos estados do sul foi interrompido pelo furacão Ida, que atingiu a Costa do Golfo na semana passada. Mesmo assim, os preços globais da madeira caíram pela metade em relação à alta recorde alcançada em maio, embora permaneçam acima dos níveis pré-pandêmicos. Outros setores são menos afortunados. Afetada pelo furacão Ida, a unidade da Basf, com capacidade anual de 400 mil toneladas de TDI e 350 mil toneladas de poliol, declarou no dia 7 de setembro que o fornecimento e a logística foram afetados e a capacidade de enviar produtos está limitada.
Caos logístico até 2022
O caos logístico e o aumento das taxas de frete marítimo causados pela pandemia devem continuar pelo menos até o início de 2022 – o que significa preços altos e atrasos na entrega dos produtos nos próximos meses. O mercado está em uma situação difícil globalmente, com escassez de contêineres e de navios ao redor do mundo. Com o início da alta temporada – o terceiro trimestre, um momento em que as empresas reabastecem seus estoques para os eventos de final de ano – a situação não só deve continuar, mas pode piorar, dizem os especialistas do setor.
No Brasil, as rotas com a China foram as mais impactadas desde o início da pandemia. O resultado é visto nas taxas de frete, que estão em patamares recordes. Considerando as rotas de importação vindas da China, o frete médio em julho de 2021 foi 7,35 vezes maior do que há um ano, segundo levantamento da Logcomex. A rota entre Xangai e Santos está em cerca de US$ 11.000 por contêiner de 20 pés, um nível histórico, em comparação com US$ 1.500 em agosto de 2020. Os preços não devem cair nos próximos meses.
Além disso, não é apenas a rota de importação da China que atualmente apresenta fretes muito acima do normal. As cargas vindas da Europa também estão com preços três vezes superiores aos registrados em março. As rotas do Golfo também estão sob pressão, e as rotas dos Estados Unidos, que estavam relativamente sob controle, também dispararam nas últimas semanas em meio ao congestionamento nos portos americanos.
Alguns especialistas em comércio sugerem que a escassez de produtos agora está sendo intensificada por reações racionais aos acontecimentos recentes. Por causa da pandemia, a humanidade agora conhece o medo de ficar sem papel higiênico. Essa experiência talvez tenha levado os consumidores e as empresas a encomendar mais itens do que o necessário e cedo demais.
A visão geral otimista é de que a escassez de matérias-primas e insumos diminuirá à medida que a demanda nas economias ocidentais se recupere, mas ninguém arrisca um prognóstico mais preciso sobre se isso vai ocorrer em meses ou em anos.
Sem ser anunciada, a chegada do coronavírus trouxe a tempestade perfeita, vinculando saúde e economia de modo que a humanidade jamais havia imaginado. E agora, o que se espera, é que no médio prazo o mundo se ajuste a nova realidade, principalmente quando o jogo do poder de produzi está nas mãos de apenas um jogador. No caso, a China.
Diante de tudo isso, a indústria de móveis e colchões tem a oportunidade de repensar seus modelos de enfrentamento de crise. É hora de sair da posição de espectador e passar a ser protagonista nos assuntos que envolvem seus respectivos negócios. A distração com embates das políticas de palanque pode custar bem caro.
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