Varejo investe na valorização das raízes
Em meio à instabilidade econômica atual, o mercado varejista de pequeno e médio porte tem chamado cada vez mais atenção por conta da boa performance. Para mensurar, no ranking 300 maiores empresas do varejo nacional em 2017, divulgado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), 133 empresas citadas são desconhecidas nacionalmente e atuam em apenas um estado do País.
Atualmente são pouquíssimas redes que estão quase onipresentes, com lojas praticamente em todos os estados brasileiros. Para citar uma que tem alguma ligação com o setor de móveis, vale registrar que a Casas Bahia está nesse seleto time. Mas não chegam a 60 o número de redes que têm presença nas cinco regiões oficiais da federação. Somadas as cerca de 15 redes internacionais com atuação no país, o número não chega a 100. E mesmo estas, acabam concentrando suas operações nas capitais, tornando o interior ainda carente das grandes marcas. Mas por que existem tão poucas redes espalhadas por este país?
Quem lança a pergunta é Marcos Hirai, sócio-diretor da GS&BGH Retail Real Estate. Na visão de Hirai isso acontece em grande parte pelas dimensões do Brasil. “Para você abrir uma rede verdadeiramente nacional é um tremendo exercício de logística”. Ele acrescenta que hoje são poucas as empresas que se aventuram a ter presença nacional. “O ramo de franquia tem um pouco mais de facilidade, devido ao modelo que, de certa forma, é como se você tivesse um dono em cada balcão. Mas para as redes com gestão centralizada é uma tarefa muito mais difícil”, pontua.
Hirai analisa que a empreitada nacional se torna economicamente inviável, pois à medida que a densidade dos municípios diminui, o potencial de consumo torna-se muito limitado. Segundo dados citados pelo consultor, existe uma grande concentração geográfica e demográfica no potencial de consumo. Há 5.570 municípios no Brasil, mas os 40 maiores respondem por 40% do potencial de consumo; 89 municípios geram 50% do consumo nacional e 366 alcançam 70%. Já no extremo oposto, há 2.462 municípios que respondem por apenas 10% do consumo. Em termos demográficos, a classe A responde por cerca de 20% do consumo, a B1 por 26% e a classe C por 50%. A região Sudeste sozinha concentra 55,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. Somada com a região Sul, este número chega a 71,1%, restando para as demais, 28,9%. Por conta disso, a maioria das redes prefere concentrar sua atuação neste eixo. Para as redes de franquias, consequentemente, acaba sendo mais fácil conseguir franqueados nesta faixa do País.
Dessa maneira, para construir negócios de grande escala no mercado brasileiro, a lógica das redes é de expandir por raios. “Crescem a uma distância definida da base e assim buscam força dentro desta área restrita”, afirma. É aí que entra o varejo regional. Segundo Hirai, mais do que nunca, essas redes se tornaram essenciais para atender as populações das cidades do interior e das capitais menores. Ele cita alguns exemplos de sucesso de redes do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, como o Armazém Paraíba, de Teresina, Piauí, que conta com 300 lojas e tem atuação em 10 estados da federação, focados no Norte e Nordeste. A rede Novo Mundo, de Goiânia, com 150 lojas e atuação em 10 estados. E a Gazin, uma gigante que, apesar de ter sua sede em Douradina (PR), tem quase todas as suas 250 lojas nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. De Manaus, a Bemol, uma rede de lojas de departamentos, que atua nos estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima com 20 lojas físicas. São também inúmeras as redes do eixo Sul e Sudeste. As Lojas Cem, de Salto, interior de São Paulo, que atuam na área de eletrodomésticos e móveis e tem atualmente 246 lojas. “São todas redes fortes, profissionais, com ampla aceitação do mercado local e que muitas vezes não são conhecidas no eixo Rio e São Paulo, mas que são excelentes varejistas. E muitas vezes oferecem serviços, atendimento, tecnologias e formatos de lojas à frente dos varejistas nacionais, mas com um toque local”, diz.
Prata da casa
Segundo Hirai, a grande vantagem da atuação local é que os varejistas compreendem melhor seu público do que as redes nacionais. “Temos casos bastante emblemáticos no Rio Grande do Sul, por exemplo, com redes gaúchas bastante regionalizadas, fortes, grandes competitivas e que entendem as particularidades do consumidor gaúcho como ninguém. Seja pela seleção de produtos, pela escolha dos funcionários e a forma como eles atenderão os clientes”, afirma. A Lojas Colombo, a maior rede varejista do sul do país, com sede em Farroupilha, no Rio Grande do Sul, presente em 191 cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, com mais de 260 lojas físicas. Outro exemplo é a Lojas Lebes, rede de varejo que conta com 150 unidades em mais de 100 municípios do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que conseguiu atingir o objetivo de faturar quase R$ 1 bilhão no ano de 2017.
Ele destaca ainda que atualmente há uma tendência muito forte pelos consumidores valorizarem o comércio local e negócios que desenvolvam a economia da própria região. “Quando você usa essa questão da propaganda, cria um vínculo muito forte com o público. Hoje a valorização das raízes é algo muito forte”, explica. Hirai completa que o grande charme das máquinas regionais é exatamente usar o “provincianismo” como vantagem competitiva. “Varejos maiores não conseguem dar igual grau de personalização”, completa.
Atendimento diferenciado
Um exemplo nesse sentido é a Center Móveis, rede com 21 lojas, todas no Norte da Bahia. Segundo o diretor da rede, Jaziel Gomes, a atuação na região mais setentrional do Estado da Bahia, por suas carências acabou tornando-se estratégica. “Consigo oferecer um atendimento e serviços mais específicos para as necessidades do local. Esse é um ponto que as grandes redes não oferecem e tornei isso meu diferencial”, explica e acrescenta: “Temos que explorar as possibilidades que só são possíveis por sermos menores”.
Outro exemplo é a Lojas Zema, tradicional rede mineira, com impressionantes 444 lojas, distribuídas em seis estados. Apesar das dimensões, a escolha de atuação da rede concentrou-se nos arredores de Minas Gerais. Além disso, a rede se especializou em cidades de até 100 mil habitantes. Para atender as cidades, a rede sempre procurou ter uma gama de produtos bastante variados, que atendiam características particulares de seu público. Até meados de 2015, por exemplo, a televisão de tubo era um dos itens de maior procura na rede. Somente em 2014, as máquinas de lavar roupa ultrapassaram os tanquinhos em número de vendas e a geladeira de uma porta perdeu espaço para a de duas portas. Na Zema, o importante sempre foi o que interessava ao freguês do interior, como freezer horizontal, fogão industrial e forno para assar frango. “Nessas regiões, a compra está relacionada às necessidades locais”, já destacou em diversas entrevistas o presidente do grupo Zema, Romeu Zema Neto.
Assim é feito o varejo regional, forte, representativo e que dificilmente será incomodado pelos grandes players, como se viu, por ter o sotaque do freguês.
Matéria publicada originalmente na edição de julho da revista Móveis de Valor.
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